04 de setembro — bottoms: gays e clubes de luta

Aviso: essa edição contém spoilers do filme Bottoms (2023). Leia por sua conta e risco.

“A intenção era especificamente fazer algo obsceno e sangrento para o público queer jovem. Estou ficando cansada das coisas trágicas, especialmente quando ser queer é o plot.”

— Emma Seligman para Polyester

Duas melhores amigas lésbicas decidem criar um clube da luta pra ficarem com as líderes de torcida da escola. Então, eu finalmente assisti Bottoms.

Eu quis trazer essa fala da Emma, diretora e co-escritora do filme, porque foi uma coisa que me chamou bastante atenção, principalmente vendo o tanto de séries sáficas que foram canceladas nos últimos meses. Bottoms não se propõe a ser um filme de descoberta fofo com adolescentes inocentes ou com histórias trágicas, apesar do filme tratar sim de descobertas e romance, E quando eu digo isso, eu não quero dizer que não gosto das obras que são assim. Obras como Heartstopper trazem uma visibilidade pra comunidade e devem sim ser apreciadas, mas ser LGBTQIA+ não para só aí.

Bottoms é cheio de piadinhas e me arrancou várias risadas. Mas quando o cast comentou sobre o filme ser sangrento, eu não imaginava que seria assim.

A primeira exibição foi em março e desde então eu criei grandes expectativas em relação ao filme, principalmente pelo elenco incrível. Temos Kaia Gerber como Brittany, possivelmente a única personagem hétero ali. Eu conhecia ela de American Horror Stories, onde ela interpretou a Ruby, uma personagem que tem um relacionamento com a protagonista Scarlett. Conheci a Havana Rose Liu, que interpreta a Isabel, no filme No Exit. Havana é a protagonista e ver as nuances das duas personagens interpretadas por ela mostra a atriz insanamente maravilhosa que ela é, com destaque na cena do prego em No Exit e na reação dela ao descobrir ser traída pelo Jeff em Bottoms.

Temos Ayo Edebiri como Josie e Rachel Sennott como PJ. Acho que todo mundo já falou isso, mas repetir nunca vai ser demais. 2023 é o ano da Ayo, com a série The Bear, a animação das Tartarugas Ninjas, Theater Camp e agora com o lançamento de Bottoms. Josie foi uma das minhas personagens favoritas e também uma das que eu mais me identifiquei, principalmente quando ela citou que poderia conquistar Isabel na “reunião de 20 anos de formatura” delas. Rachel, que co-escreveu o filme, interpretou a PJ exatamente como eu imaginaria uma menina adolescente — e como eu me lembro de várias amigas minhas. Ela também arrasou em Bodies, Bodies, Bodies do ano passado, sendo minha personagem favorita do filme.

E eu preciso falar da Ruby Cruz, eterna princesa Kit de Willow. Meu interesse por Bottoms surgiu quando eu soube que ela tava cotada pro elenco e desde então criamos muitas teorias baseadas no que sabíamos do filme, que basicamente era ser um clube da luta de lésbicas querendo ficar com líderes de torcida. A gente esperava que ela fosse ser uma líder de torcida desfem total. E então descobrimos o nome da personagem e que ela teria uma cena com uma bomba, o que resultou na ideia de lésbica rebelde com jaqueta de couro descolada. O que tivemos na verdade foi a Hazel, uma lésbica fofa que só queria um grupo onde ela pudesse se apoiar e lidar com a separação dos pais. E ela também explodiu bombas e beijou mulheres. Minha única tristeza quanto à ela foi assistir outra personagem que não ela usando uma espada — mas aqui é só brincadeira mesmo.

E eu amei o filme.

A relação construída entre a Josie, abertamente lésbica, e a Isabel, confirmada pan pela atriz, caminhou ao longo do filme todo e foi um dos casais mais fofos que eu vi esse ano. As atrizes tiveram muita química e as interações das duas me deixaram o tempo todo sorrindo feito boba.

Apesar de eu já esperar o sangue e a violência, eu realmente me surpreendi com a coragem do filme. Lá pra metade temos a cena em que a Hazel luta contra um dos caras do time da escola e o chute sangrento pro final me fez pausar o filme e encarar o nada por um longo minuto. E nos bloopers também — quando a peruca do dublê sai voando com o chute.

E uma das minhas cenas favoritas, onde o Jeff, personagem do Nicholas Galitizine, tá sofrendo pelo término com a Isabel cantando Total Eclipse Of The Heart da Bonnie Tyler e a Hazel explode o carro dele.

Bottoms tá cheio de cenas engraçadas, absurdas e sangrentas, e explora muito bem a realidade de ser queer, de ser mulher, e no caso da Josie, ser negra.

Bottoms é, além de um filme de lésbicas, um filme necessário. Porque nós precisamos nos enxergar em filmes bobos assim, com personagens falhas e cheias de dúvidas, mas que se apaixonam por outras garotas e fariam clubes da luta só pra poder beijar elas. Tudo isso ainda coloca em vista como nos enxergamos quando somos só adolescentes tomando decisões ruins e descobrindo quem somos no mundo. Eu sei que já falei isso antes com várias outras obras, mas Bottoms com certeza é uma dessas que teria feito eu ver com muita mais leveza a minha sexualidade.

Eu tinha muitas expectativas e acho que nenhuma delas ficou inteira depois de assistir o filme e ver o quão mais divertido, sangrento e corajoso ele era. Emma foi certeira na construção das cenas e na forma como os personagens agem, até quando é extremamente caricato.

O filme debutou com 98% de aprovação da crítica e 100% do público no Rotten Tomatoes. O sucesso de Bottoms em um momento em que o cast não pode divulgar o filme devido às greves do SGA e do WGA — ambas muito importantes e abertamente apoiadas pelo elenco — é insano. Um filme com protagonistas lésbicas, um leque de personagens LGBTQIA+ e que conseguiu criar um público tão imenso é totalmente insano pra mim. Eu espero que tudo isso indique que possamos ter um Bottoms 2 a caminho.

Até o momento o filme só tá disponível em alguns cinemas dos Estados Unidos e do Canadá, mas a previsão é que chegue no Brasil até o final do ano pelo Prime Video.

“Oh, now you want a bomb.” — Hazel, Passivonas (2023)

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